Não esquecer, para que nunca mais aconteça
- pietramanzoli
- 15 de jan.
- 2 min de leitura
Nos últimos dias, tenho refletido sobre as "heranças de família" que carregamos dentro de nós. Não falo das heranças boas, que nos alegram ao receber, mas daquelas que poderíamos chamar de "heranças de dívida" — dificuldades emocionais que nossos antepassados não puderam resolver e que, de certa forma, chegam até nós sem que possamos evitar.
Um exemplo disso são os ciclos de abuso em algumas famílias. Imagine uma filha que sofre abuso sexual e, ao investigar sua história familiar, descobre que sua mãe também passou pela mesma experiência. A mãe, marcada pela violência sofrida na infância, não conseguiu desenvolver dentro de si a noção de que crianças devem ser protegidas, pois ela própria nunca foi. Isso a leva, inconscientemente, a desproteger a filha — por exemplo, na escolha de um parceiro abusivo sem a percepção do perigo que ele representa. Por sua vez, a filha, sem um modelo de relações seguras e cuidadosas, pode repetir o padrão, relacionando-se com homens que a machucam e perpetuando esse ciclo em futuras gerações.
Esses padrões são tão complexos quanto sutis, porque muitas dessas decisões são feitas sem um pensamento consciente. Quando um trauma dessa magnitude ocorre em uma família, ele frequentemente deixa uma marca difícil de digerir emocionalmente. O resultado, muitas vezes, é a repetição inconsciente.
Mas, diante disso, surge a grande questão: o que podemos fazer? Como lidar com essa "dívida emocional" que nos foi deixada?
Embora não exista uma resposta única, podemos aprender com os esforços culturais para lidar com traumas coletivos, como ditaduras e outras formas de violência histórica. Criamos memórias, museus, filmes e livros que recontam essas histórias dolorosas para dar a elas um lugar no imaginário coletivo. Preservar essas memórias e revisitá-las repetidamente é essencial: "não esquecer, para que nunca mais aconteça".
O mesmo vale para nossas histórias pessoais. Quando conseguimos dar palavras aos horrores que vivemos, criamos a possibilidade de interromper sua repetição. Esse processo nos permite pensar algo como: "Não me sinto segura com este homem, embora algo em mim o ache familiar. Ele lembra muitos dos homens na história da minha família. Não sei se posso conhecer alguém diferente e que me ofereça segurança, mas isso não significa que não seja possível."
Chegar a esse tipo de pensamento não é fácil. Requer coragem para olhar de frente o que aconteceu conosco e com aqueles que vieram antes. É um processo doloroso, mas necessário. Precisamos contar a nós mesmos essas histórias terríveis — e recontá-las de várias maneiras. Somente assim podemos imaginar e construir um caminho diferente.

Imagem: Documentário Nostalgia da luz, de Patricio Guzmán




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